Fotos: cenas do filme “Idas e Vindas do Amor”
Vai chegando o dia dos namorados e a pessoa começa a colocar nas redes sociais aquela típica piadinha repetitiva: “Pra que essa preocupação em passar o dia dos namorados com um namorado? Por acaso você passa o dia do índio com algum índio?”
Obviamente, a pessoa que postou isso está solteira, precisa arranjar uma boa desculpa para consolar-se. Não ganhará presentes, mas também não gastará dinheiro para comprar presentes para ninguém. Dirá ela: “dia dos namorados nada, esse é mais um dia do comércio, onde as lojas estão lucrando com os relacionamentos. Tô fora.”
E chegado o dia, ela talvez se lembre do dia dos namorados do ano passado ou retrasado, “eu estava com fulaninho, ou com beltraninha, foi tão legal aquele jantar, a troca de presentes, a noite de amor, ainda lembro o cheiro de seu perfume... Ops! Parei! Melhor não pensar muito.”
Outro dia eu almoçava com um amigo casado e uma amiga divorciada. O assunto era a dificuldade dos relacionamentos. Dias antes eu já tinha ouvido o desabafo da mesma amiga, citando o peso da solidão, a vontade de ter um cobertor de orelha, uma companhia na vida, e por ai vai. E durante o almoço meu amigo começa a se queixar de algumas características de sua esposa, das dificuldades de seu relacionamento, e coloca a frase: “vida a dois é MUITO complicada” (releia a frase anterior com uma grande ênfase no MUITO, imaginando uma careta semelhante à de quem chupa uma rodela de limão). Foi ai que coloquei: “a vida a dois é complicada, se comparada a quê?”. Sim, porque a vida de solteiro também tem suas dificuldades. Obviamente que estar solteiro não é sinônimo de sentir-se só. A solidão pode ser companheira inclusive de homens e mulheres conhecidos por seus aparentes “relacionamentos perfeitos”. Pode-se sentir só estando rodeado de pessoas. Não me refiro a isso. Mas vamos assumir, todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, everybody's looking for something, e o seu objetivo quando sai para a balada provavelmente não será uma busca solitária de prazer com a porta do banheiro trancada. As pessoas não estão prontas para estarem sozinhas.
Mas ai eu recebo a ligação de outra amiga, na segunda-feira. Sim, porque eu não sei o que está escrito na minha testa, mas as pessoas sempre me procuram para falar de suas conquistas, ficadas, transas, cagadas, segredos, decepções. Se eu juntasse tudo, daria um bom livro – e minha morte, obviamente. Sim, a ligação da amiga! “Amigo, o Rodriguinho é meu número!” Ela acabou de conhecê-lo, mas ele já é Rodriguinho, com inho no final. E nessa hora o eixo da terra faz um barulho, semelhante ao do freio de uma locomotiva; o mundo pára, não tem mais vento, não tem mais ruído algum: eu vejo diante de mim toda a história que vou ouvir. As pessoas assistem tanta televisão, tantos filmes, tantas séries, que montaram o arquétipo de namoro, com todas as suas características predeterminadas, todas as reações programadas. Vejo diante de mim o futuro brilhante dos dois – e as ligações imensas que ela fará para mim, onde durante noventa por cento do tempo o assunto será o Rodriguinho. Vejo também as consultas que receberei depois de alguns meses de namoro, quando ouvirei que Rodrigo tem umas características estranhas, e daí para o fim do relacionamento – e o aparecimento de Rogerinho – são dois ou três passos. Sabe o que estraga qualquer relacionamento entre duas pessoas? Elas mesmas. As pessoas não estão prontas para estarem juntas.
Bem, este é meu texto de estréia no Zine Pasárgada, onde eu começo mostrando uma das características dos meus escritos, especialmente do perfil que pensei adotar quando escrever aqui. Sou cheio de perguntas! Quero trazer reflexões, mas não respostas. Ninguém precisa concordar, estamos aqui para aprender uns com os outros. E pra terminar, estando você solteiro(a) ou casado(a), não vou dar feliz dia dos namorados para ninguém. Me arretei! Mas desejo que você saiba dosar a companhia da solidão. Que você saiba conviver pacificamente com você mesmo para ser uma companhia melhor para os outros.
Beijo nas crianças. Tchau.
3 comentários:
Excelente texto! Me vi aí em alguns trechos!!
Muito bacana o texto... me fez refletir...parabéns!
Muito bom! Adorei.
Você falou uma coisa que sempre ouvi dos meus professores: "Estar sozinho não significa estar só."
Temos que estar primeiro com nosso Eu, para depois estar com o Eu de alguém. Ou, as queixas serão constantes, realmente!
Me identifiquei! =)
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