Zine Pasárgada
foi um Fanzine cultural e educacional que se propôs divulgar os mais diversos tipos de expressões artísticas e os mais variados assuntos.

O jornal Pasárgada teve 3 edições impressas e distribuídas na cidade de Piracicaba/SP e está guardado, junto com outras idéias, no limbo da falta de tempo e dinheiro.

O blog retomou a proposta do Zine e abriu espaço para diversidade de idéias e de expressões.

Hoje o blog acompanha o jornal e as atividades estão encerradas.

Foi uma grande satisfação ser um dos amigos do Rei.

Fábio

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ilê Axé Abassá de Ogum e a Intolerância Religiosa

Por Ronaldo Almeida


Iyalorixá Gildásia dos Santos e Santos – a Mãe Gilda, foi a Sacerdotisa do Ilê Axé Abassá de Ogum, moradora e fundadora deste Terreiro de Candomblé localizado próximo da Lagoa do Abaeté no Bairro de Itapuã em Salvador - BA. Mãe Gilda tinha uma vida discreta desde o ano de 1996 quando fundou o terreiro, iniciando sua prática religiosa naquele local.
Mãe Gilda exercia suas práticas religiosas cotidianamente e sua Casa era frequentada por adeptos moradores da comunidade, como também por aqueles oriundos até de outros estados.

A saga do Abassá de Ogum iniciou quando sua fundadora resolveu participar das manifestações públicas e populares pela reivindicação do impeachment do então presidente da república brasileira, Fernando Collor de Mello. A campanha ficou conhecida como o ‘Fora Collor’, na década de 1990, e contou com a participação ativa de milhares de cidadãos brasileiros em todo o território nacional contendo diversas expressões, das mais variadas vertentes populares e/ou governamentais, como forma de demonstrar a insatisfação com a situação e garantir a destituição do presidente. Tudo muito divulgado na imprensa, com ampla cobertura na mídia televisiva, escrita e nas demais formas de comunicação.

Entretanto, foi a forma de expressão da Mãe Gilda eleita pela Iurd – Igreja Universal do Reino de DEUS para atacar o povo do Candomblé na sua crença e manifestação prática da sua religiosidade.

Em 1992 a revista Veja publicou uma matéria, em que aparecia uma foto de Mãe Gilda, trajada com roupas de sacerdotisa, tendo aos seus pés uma oferenda como forma de solicitar aos orixás que atendessem às súplicas daquele momento. E em outubro de 1999 a Iurd publicou essa fotografia no jornal Folha Universal, para a ilustração de uma reportagem sobre charlatanismo, sob o título: “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. A matéria afirmava estar crescendo no País um “mercado de enganação”. Nesta reportagem, a foto da Mãe Gilda, aparecia com uma tarja preta nos olhos. A publicação dessa foto marca o início de um doloroso, porém definidor processo de luta por justiça da família e de todos os religiosos do Candomblé.

A repercussão foi tão grande que a Folha Universal tinha na época uma tiragem de 1.372.000 unidades, ampla e gratuitamente distribuídas. Assim sendo, inevitavelmente a comunidade local tomou conhecimento da reportagem e, por uma falta de compreensão do que estava acontecendo, integrantes da comunidade interpretaram que a Mãe Gilda havia se convertido e estava pregando contra sua religião, pois sua foto estava naquele veículo. Qual a consequência disso? O descrédito e afastamento de fiéis! E mais: dada a fragilidade do momento, adeptos de outras religiões sentiram-se no direito de atacar diretamente a casa da Mãe Gilda, agredindo-a e ao seu marido, verbal e fisicamente, dentro das dependências do Terreiro, até quebrando objetos sagrados lá dispostos.

Mãe Gilda não suportou os ataques diante destes fatos, com a saúde fragilizada, seu estado piorou e ela veio a falecer no dia 21 de janeiro de 2000.

Sua filha, Jaciara Ribeiro dos Santos, moveu uma ação contra a Iurd, por danos morais e uso indevido da imagem. KOINONIA – Presença Ecumênica e Serviços, através de seus advogados passaram a representar a família em uma ação, por meio da assessoria do Programa Egbé Territórios Negros. O falecimento de Mãe Gilda se deu no dia seguinte em que assinou a procuração constituindo seus advogados para defender o caso, em clara expressão do seu desejo por reparação.

Inicialmente no Município de Salvador e posteriormente, no Governo Lula, foi instituído, em homenagem a Mãe Gilda e sua luta, o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional de luta contra a intolerância religiosa. Data em que pessoas de diferentes credos, raças, etnias, sexo celebram mais um passo a favor da dignidade humana para compartilhar caminhos que possibilitem o enfrentamento a essa vergonha, que se alastra de forma ampla, geral e irrestrita: a Intolerância Religiosa. Esta forma nefasta de impedir a livre expressão religiosa, individual e coletiva, garantida por lei é desrespeitada por vários setores da nossa sociedade. Inclusive por instituições religiosas que, apesar de pregarem princípios de amor ao próximo, solidariedade e respeito, não estão devidamente preparadas para responder a esse desafio, e acabam por demonstrar preconceitos e descriminar a partir de posturas institucionais, como o caso de Mãe Gilda, que hoje serve de inspiração e símbolo de luta para todos nós.

Em 2004, cinco anos depois do início do processo, a Iurd foi condenada em primeira instância, ficando estabelecido o ganho de causa da ação de Mãe Gilda. A sentença, favorável à ação indenizatória
Em apelação na segunda instância – Tribunal de Justiça da Bahia – pela Igreja Universal e sua gráfica, o processo ficou sem resposta até maio de 2005, quando o povo do Candomblé realizou um ato público em frente ao Tribunal de Justiça da Bahia para reivindicar agilização da decisão do tribunal.
Em 6 de julho do mesmo ano, saiu a decisão sobre o caso: o Tribunal de Justiça da Bahia julgou e condenou, por unanimidade, a Igreja Universal do Reino de Deus por danos morais e uso indevido da imagem da Iyalorixá Mãe Gilda
Após 9 anos de luta e diversas mobilizações públicas reivindicatórias do desenrolar do processo, no dia 16 de setembro do ano de 2008, saiu a decisão da 3ª instância: o Superior Tribunal de Justiça confirmou, também por unanimidade, a condenação da Igreja Universal do Reino de Deus.

A sentença representou um ganho político e social sem precedentes na história do País, que vem reafirmar os direitos garantidos pela constituição brasileira da liberdade de expressão e contra qualquer tipo de discriminação. É uma vitória de um povo que, historicamente, sofreu e ainda sofre este e outros tipos de preconceito; que mesmo depois de cessadas as perseguições policiais ainda continuava sem liberdade de expressão religiosa.

Ronaldo Almeida é representante de setoriais de defesa da liberdade religiosa, membro do movimento negro e religioso do Candomblé.

5 comentários:

Patrícia Olandini disse...

Muito irônico da parte da IURD a fala “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”.

Maria Fernanda disse...

VEJA + Igreja universal = par perfeito

Thiago dos Santos disse...

Respeito! É necessário, parabéns pelo post.

Thiago dos Santos disse...

Ou! Esqueci! Parabéns pela explicação.
Vale e muito...

EU RESPEITO!

Ju Villacorta disse...

Post fantástico. É sempre bom quando a diversidade e o respeito são bem referenciados!

EU RESPEITO MUITO! o/