Zine Pasárgada
foi um Fanzine cultural e educacional que se propôs divulgar os mais diversos tipos de expressões artísticas e os mais variados assuntos.

O jornal Pasárgada teve 3 edições impressas e distribuídas na cidade de Piracicaba/SP e está guardado, junto com outras idéias, no limbo da falta de tempo e dinheiro.

O blog retomou a proposta do Zine e abriu espaço para diversidade de idéias e de expressões.

Hoje o blog acompanha o jornal e as atividades estão encerradas.

Foi uma grande satisfação ser um dos amigos do Rei.

Fábio

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A medicalização excessiva na sociedade contemporânea

Minha postagem de hoje é uma extração do meu projeto de pesquisa sobre a medicalização excessiva na sociedade contemporânea. Este escrito consiste na revisão da literatura a respeito do assunto, e embora pareça algo muito teórico ou massante, achei legal trazer essa discussão para o blog, pois acredito que muitas pessoas possuem opiniões diversas sobre isto.
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A medicalização excessiva na sociedade contemporânea

                       A farmacologia surgiu como uma ciência que estuda substâncias químicas que interagem com os sistemas biológicos. O grande objetivo dessa ciência era descobrir e produzir medicamentos onde o sofrimento ou alterações físicas fossem amenizados ou em muitas vezes, erradicados. Com o decorrer dos anos e como toda ciência, a farmacologia foi crescendo e se aprimorando junto com a biomedicina. Hoje a farmacologia se constitui numa grande indústria que produz milhões de medicamentos mundialmente, e atinge pessoas de todas as classes e com todos os tipos de patologias.
     O avanço dos fármacos caminha paralelamente com o avanço das patologias recentemente diagnosticadas, ou seja, a cada aumento e ampliação de diagnóstico, um medicamento novo é produzido para atender essa demanda. Sendo assim, hoje a indústria farmacêutica disponibiliza muitos remédios que são acessíveis à sociedade.
     A partir da facilidade no acesso aos medicamentos e a alta prescrição médica que vem acontecendo também nos dias de hoje, fazer uso de um medicamento ou comprá-lo, se tornou maneira fácil, rápida e as vezes até mais econômica de extinguir ou amenizar um sofrimento físico ou até mesmo psicológico.
     A banalização do diagnóstico e da busca pela descoberta pela causa de uma doença, também ocasiona numa medicalização desenfreada na sociedade, e a prescrição médica se torna algo apenas automático e não empático, onde se busca saber a cessação de um sintoma e não se investiga o sofrimento de um paciente e quais suas causas:

          “Ao viver em uma sociedade que valoriza a anestesia e a sedação de sintomas, o médico e seu cliente aprendem a abafar a interrogação inerente a qualquer dor ou enfermidade: O que é que não anda bem? Por quanto tempo ainda? Por que é preciso? Por que eu? Qualquer médico sincero sabe que, se ficar completamente surdo à pergunta implícita na lamentação do paciente, pode até reconhecer sintomas e fazer diagnósticos corretos, mas não compreenderá nada do sofrimento dele. (Tesser, 2006)”

                            Notável perceber, nauseado é bem verdade, que exames complementares
supostamente anormais são a pseudo-doença e a razão para prescrições estapafúrdias.” (Bittencourt, 2008)

O consultório médico hoje em dia se tornou uma sala de um pseudo trabalho terapêutico. Muitas pessoas procuram uma orientação médica para aquilo que os aflige, e o consultório se torna um espaço depositário de angústias e desabafos, onde muitas vezes o corpo responde pelas questões emocionais. E o remédio se torna, a partir disto, a “cura” para os problemas enfrentados pelos indivíduos da nossa sociedade. O atendimento médico hoje deixa de ser um fator de necessidade, para um exagero praticado pelas pessoas.
     Com isto, vem-se observando que a cultura medicamentosa está cada vez mais enraizada na sociedade e nas famílias, onde a educação do uso excessivo e sem prescrições de drogas farmacêuticas é passada de geração para geração. Um fato que nos mostra essa realidade que enfrentamos hoje, é a maneira como nossos antepassados lidavam com a questão da saúde e da contenção de sintomas, onde podemos perceber que num momento onde a indústria ainda não tinha seu poder ou até mesmo sua evolução, a resolução dos problemas eram encontradas e executadas de uma outra maneira, sendo que remédios naturais ou até mesmo conhecimentos sobre plantas medicinais eram a opção mais procurada.
     Os medicamentos farmacêuticos são composições químicas que muitas vezes podem causar reações adversas. Hoje em dia, ao contrário de gerações anteriores, não buscamos mais informações sobre aquilo que estamos ingerindo ou qual a causalidade dele. Passou-se a acreditar cegamente nos conhecimentos médicos, químicos e biomédicos e neles foram depositados toda a nossa confiança, não questionando aquilo que nos é indicado ou prescrito. Com isto perdemos a autonomia e a competência de avaliar aquilo que passa de necessário a exagero no nosso cotidiano, e perdemos também o controle daquilo que estamos consumindo, pois acreditamos que o exagero nada mais é do que o necessário. Torna-se uma alienação sobre o consumo e a posologia de medicamentos, queremos apenas o alívio, pelo modo mais fácil e rápido.

     “As pessoas tornaram-se condicionadas a obter em vez de fazer, a comprar em vez de criar: em saúde, não querem mais curar-se, mas serem curadas (Nogueira, 2003a)”
    
     Os fatores históricos são determinantes nas questões sociais que enfrentamos, isso em todo o momento de nossa história. Aquilo que é trazido do passado, nos influencia no presente. A inclusão e/ou implantação da cultura medicamentosa também foi passada ou ensinada como algo bom, como aquilo que surgiu para melhorar a vida das pessoas, por isto foi inserida tão fortemente para nós.
    
     “Um estilo de pensamento é um conjunto entrelaçado de tradição, valores, crenças metafísicas, modelos abstratos, representações simbólicas, métodos e exemplos de procedimentos, aprendidos por semelhança e iniciação ao modo tradicional (extracientífico), que os membros de um coletivo de pensamento compartilham para determinada ação, projeto ou interesse específico. (Tesser, 2006)”

O que podemos perceber hoje é que a cultura dos medicamentos acumulados nas casas de todas famílias e o uso abusivo de medicamentos prescritos ou não prescritos, tornou-se algo normal e aceitável pela maioria da sociedade, pois medicar-se associou-se a ter saúde, ou, a não ser portador de doenças. E sabemos que isto foge da realidade que esta situação significa.
Medicamentos em excesso não significam benefícios para a saúde, pelo contrário, estudos comprovam que o consumo de determinados medicamentos podem causar depência tanto física, quanto psíquica, devendo ser usados em períodos curtos ou quando forem necessários, o que é contrastante com a realidade que presenciamos hoje. Mais uma vez nos deparamos com uma sociedade que se medicaliza para fugir de problemas relacionados a vida:

            “Da mesma maneira, nenhum remédio resolve os problemas de vida de ninguém: os problemas conjugais, relacionais, sociais, afetivos, sexuais e carenciais, no trabalho, na escola, a timidez, a solidão, o orgulho, a autocomiseração, o egoísmo, a culpa... continuam as mesmas ou pioram. Bem usados, os calmantes e outros medicamentos psiquiátricos podem dar uma "força" inicial para que a pessoa resolva ou aceite e aprenda a conviver com seus problemas. Nunca nenhum remédio deve ser usado como fuga de problemas. Se existem problemas emocionais relacionados a fatos da vida, a ajuda de um psiquiatra e de um psicólogo experientes podem ajudar a pessoa a resolver suas questões internas.”

Será que a partir deste ponto podemos considerar que os medicamentos farmacológicos estão surgindo como uma possibilidade de fuga dos problemas encontrados em nosso cotidiano? Ou eles surgem como o meio mais fácil e rápido de obtermos resultados satisfatórios contra aquilo que nos incomoda?
Um fato que não pode ser negado é que nos dias hoje o aumento do consumo de fármacos é gritante e que a dependência (muitas vezes desnecessária) dos mesmos gera um ciclo altamente vicioso que atinge os indivíduos da nossa sociedade contemporânea.

A medicalização excessiva é um dos grandes males da saúde atual, responsável por um número fantástico de vítimas nas mais diversas especialidades médicas. E é surreal observar que estas pessoas ignoram estarem reféns do seu próprio tratamento.” (Bittencourt, 2008)

A medicalização pode ter se tornado um “tratamento” para os problemas que crescem junto com a sociedade? A realidade é que podemos perceber que estas questões estão caminhando conjuntamente: o uso abusivo de remédios com o crescimento e desenvolvimento do mundo capitalista/competitivo e com os problemas psicológicos que vêm atrelados a esta atual sociedade em que vivemos. Tudo isto pode estar colaborando para aquilo que hoje se torna algo alarmante e extremamente preocupante, pois põe em risco a saúde de todos aqueles que fazem o uso abusivo de remédios.

Abç... Patrícia ( Blog | Twitter )

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